Avançar para o conteúdo principal

Sim, sou jovem.

Sim, sei que sou. Mas o meu país não me deixa sonhar com os sonhos de uma "miúda" de 25 anos. Sou jovem no meu documento de identificação mas talvez eu esteja a ficar velha com os sonhos que me vão passando. Já tomei um calmante hoje mesmo sendo jovem. O meu coração bate a mil, a minha cabeça não pára. Mas os sonhos, ai os sonhos. Vivo aprisionada numa formação que tirei e, não sendo esquisita para trabalhar, ainda não sei bem se deve ou não permanecer no meu curriculum. Licenciada em Ciências da Comunicação, por uma universidade que considero de prestigio, pesa-me a dúvida se esse facto deve ou não permanecer no meu curriculum. A última experiência profissional já foi retirada para os curriculus fora da área, a maioria das pessoas não gosta de jornalistas. Essa gentinha que mete o nariz em tudo e inventa coisas que dá dó. O mundo esquece-se que a informação e o avanço que o mundo sofreu, muito devem aos jornalistas. Ah, isso não interessa, está na moda odiá-los, então vamos a isso. Continuando, já disse que sou jovem não já? E sim, tenho sorte, mais sorte que muitos. Já trabalhei em rádio e em TV. E em lojas, cafés, call centers e promoções também, mas sim tenho muita sorte em ter trabalhado na área e até devia colocar num altar o patrão que me despediu com três meses de salário em atraso e com um MUITO BOM na nota de estágio profissional. No fundo é o meu país que permite isso porque, imagine-se, as medidas não são muito fáceis para quem fez estágio profissional e ficou a ver navios com o dinheiro. Mas este patrão que o deve fala, com todos os dentes que tem, o pior dos jovens. Diz que não vestem a camisola, que não fazem nada por amor e que não lutam pela sua independência, querendo estar sempre perto dos papás. Mas esse senhor, esquece-se que se não fosse a minha mãe e a minha avó eu passaria fome enquanto o ordenado não chegava e talvez fosse a cheirar mal para o trabalho porque também era capaz de não ter dinheiro para a agua, etc. Mas a ele juntam-se outros tantos que falam mal da juventude dos dias de hoje. Dizem que não queremos fazer nada. E sim, há gente assim, mas não é a juventude. São muitos, que são, mas não somos todos. A minha juventude não teve a vida dura de trabalho no campo, nem teve que deixar de estudar aos 10 anos. A minha juventude pode estudar, pode escolher com tempo o amor das suas vidas, pode escolher o caminho que queria seguir. A minha juventude conheceu o mundo através de um clique e sim, temos massa, arroz, batata, carne, peixe e sobremesa todos os dias que o quisermos. A minha juventude não tem que partilhar uma sardinha com cinco irmãos e tem roupa para cada dia da semana, ou mais. Mas a minha juventude perde todos os dia a capacidade de sonhar. A minha juventude começa aos 25 anos a tomar calmantes, secalhar até mais cedo, porque não é fácil estar a pedinchar um dinheiro que nos pertence e pelo qual trabalhamos todos. Eu paguei para trabalhar. E as leis não me protegem a mim. E eu não sei se chore ou se rie com esta palhaçada toda. Tomo um calmante, é o melhor. Mas depois falam de nós de boca cheia, "tens muita sorte, no meu tempo não era assim...", pois não. Não era melhor, mas vocês tinham a capacidade de sonhar porque isso ninguém vos tirava. Sabiam os rios e as montanhas, e sabem-no, orgulhosamente, até hoje. Com 25 anos já tinham não sei quantos filhos, eram homens e mulheres sabidos e a vossa juventude, por muito dura que tivesse sido, tinha tido um gosto especial. Precisavam de menos, ainda que vos custasse muito mais. Hoje exigem tanto de nós que, por muitas formações que tenhamos, nem sabemos para onde nos virar. Hoje conhecemos o mundo e sabemos que tudo é "já ali", mas o mundo que nos permitiu saber tanto não nos dá pernas para andar. E eu, que não quero abandonar o meu país porque o amo e porque é aqui que tenho o que, realmente me faz falta, tomo calmantes para suportar a dor de um país que nada faz por mim. Nem pelos meus. Nem pelos que estudaram comigo. Nem pelos que vejo crescer. Acredito que a nós nos falta uma coisa, a capacidade de revolução. Mas também nos ensinaram, possivelmente de forma errada, a resolver as coisas por bem. E talvez hoje, pela primeira vez, eu passe de um calmante para dois. Se passo fome? Não. Se preciso de algo? Não. Se tenho a capacidade de sonhar? Não. Mas um dia eu aprendi que "somos do tamanho dos nossos sonhos..." e é isso que todos os dias me destrói.

Comentários

  1. O teu texto é muito verdadeiro. E eu concordo com a maior parte das coisas. Os meus pais ambos estudaram e mal acabaram o curso tiveram emprego. Bem pago? talvez não, no principio era dificil, mas progrediram na carreira e hoje ganham mais do que quando começaram. Eu trabalho há 4 anos. Nunca assinei um contrato (diz que é este ano). Em vez de ganhar cada vez mais, tenho vindo a decair no salário. Cada vez menos. Tenho culpa do curso que escolhi? Talvez. Mas quando o escolhi ainda havia mercado. Se fosse hoje voltava a tirar o mesmo curso? Não.
    E só há uma coisa que discordo de ti (acho eu). Temos que ter consciência quando escolhemos o curso. Como é que nos últimos anos alguém escolhe ser professor, p.ex.? Não consigo perceber...

    ResponderEliminar
  2. E só desejo a maior sorte no mundo para encontrares emprego!! Se não for na área, que seja noutra coisa que até dê gosto fazer. *

    ResponderEliminar
  3. Como é que alguém escolhe ser professor? Por vocação, por gosto, e por ser o seu sonho! Porque para sonhar ainda não é preciso pagar!
    Se formos por aí havia imensas profissões que as pessoas não deviam escolher... e depois? Depois todos escolhíamos as que neste momento ainda vão tendo saída e daqui a uns anos eram essas que estavam saturadas!

    Enfim... tudo isto é muito subjetivo e por vezes uma pessoa desespera... Mas há que ir à luta!
    Força :)

    ResponderEliminar
  4. Parece que nunca somos bons o suficiente. Ignoram o nosso esforço, os nossos estudos...

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

cof cof